Norma nº 022/2012 atualizada a 13/07/2017
Abordagem Hospitalar das Queimaduras em Idade Pediátrica e no Adulto
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- A admissão hospitalar da pessoa com queimadura obriga a (vigilância primária do ABCDEF) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Manutenção da via aérea com controlo da coluna cervical (A-Airway maintenance with cervical spine control);
b) Ventilação (B - Breathing);
c) Circulação com controlo hemorrágico e acesso venoso (C-Circulation with haemorrhage control);
d) Verificação do estado de consciência (D - Disability: Neurological status);
e) Exame da vítima com despiste de lesões associadas (E - Exposure with environmental control);
f) Fluidoterapia quantificada pela fórmula de Parkland (RC16) e fórmula de Brook modificada (F - Fluid resuscitation). - A vigilância secundária da pessoa com queimadura obriga à identificação da AMPLE (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Alergias (A - Allergies);
b) Medicamentos habituais (M - Medications);
c) Antecedentes clínicos (P - Past medical history);
d) Hora da última refeição ou bebida (L - Last meal or drink);
e) Causa da queimadura (E - Events preceding injury). - Deve ser referenciado para o centro de tratamento de queimados imediatamente, após cuidados de urgência, a pessoa na(s) seguinte(s) situação(ões) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Idade <5 anos e > 65 anos;
b) Queimaduras em mais de 10% da superfície corporal;
c) Queimaduras superficial de espessura parcial (antigo 2º grau) >5% em lactentes ;
d) Queimaduras profundas de espessura parcial (antigo 3º grau) em mais de 2% da superfície corporal;
e) Queimaduras da face, pescoço, tórax, períneo, mãos e pés;
f) Queimaduras circulares do tórax e/ou membros;
g) Queimaduras 3º grau em qualquer grupo etário;
h) Queimaduras elétricas;
i) Queimaduras químicas;
j) Carboxihemoglobina > 10%;
k) Queimaduras com lesões associadas;
l) Inalação de fumo e/ou substâncias tóxicas;
m) Traumatismo crânio-encefálico;
n) Traumatismo músculo-esquelético;
o) Queimaduras com doenças associadas:
i. Diabetes mellitus;
ii. Doença hepática;
iii. Doença renal;
iv. Doença cardíaca;
v. Doença psiquiátrica e/ou neurológica;
vi. Neoplasias e situações de imunodepressão.
p) Suspeita de lesão por maus tratos;
q) Necrose epidermólise tóxica (síndrome de Lyell);
r) As queimaduras sem cicatrização entre o 10º-14º dia;
s) As pessoas com cicatrizes, de alguns meses, após uma queimadura;
t) Queimaduras em pessoas que requerem intervenção social, emocional ou de reabilitação. - A transferência para um centro de tratamento de queimados obriga aos seguintes procedimentos que devem ser registados (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Vigilância primária e secundária;
b) Acesso venoso (sempre que possível);
c) Intubação nasogástrica (necessária em todos os pessoas transportados por via aérea);
d) Restrição da via oral;
e) Informação médica;
f) Contacto prévio com centro de tratamento de queimados. - Deve ser avaliada a gravidade da queimadura com registo no processo clínico da causa e local, extensão e profundidade (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Local e extensão:
i. Através da tabela de Lund e Browder em idade pediátrica (idade e percentagem de área corporal);
ii. Regra dos nove no adulto.
b) Profundidade:
i. Classificação das Queimaduras (Anexo I, Quadro 1)6,39:
(i) A profundidade da lesão provocada por queimadura deve ser reavaliada dois a três dias após a avaliação inicial, preferencialmente pelo mesmo médico. - A pessoa e/ou o representante legal devem ser informados e esclarecidos acerca da necessidade do plano terapêutico, da situação clínica, dos efeitos secundários, benefícios e riscos do tratamento.
- Deve ainda ser obtido o consentimento informado escrito de acordo com a Norma nº 015/2013 “Consentimento Informado, esclarecido e livre dado por escrito”.
- Deve ser disponibilizado um folheto informativo sobre o plano terapêutico à pessoa e/ou representante legal.
- No tratamento da queimadura superficial ou escaldão (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) O penso protetor ou produto em creme pode ser indicado para conforto e para promoção de uma cicatrização mais rápida;
b) Devem ser indicados pensos humidificados que incentivem a re-epitelização para a cicatrização de feridas;
c) Deve reavaliar-se a queimadura após 48 horas e, posteriormente, preferencialmente, a cada três dias;
d) Se a pele não está íntegra, deve ser prescrita a mudança para um produto de cicatrização de feridas;
e) Os produtos com ação antimicrobiana (como o creme de sulfadiazina de prata ou sulfadiazina de prata mais cerium) devem ser prescritos em todos os tipos de queimaduras durante as primeiras 72 horas (três dias) após lesão de queimadura;
f) As feridas de queimaduras com sinais de infeção devem ser tratadas com sulfadiazina de prata tópica ou sulfadiazina de prata mais cerium tópico;
g) A indicação do uso prolongado de creme de sulfadiazina de prata (mais de sete dias) deve ser evitada em queimaduras não infetadas;
h) Após um tratamento inicial com creme de sulfadiazina de prata, deve ser prescrito um penso hidrocolóide que promove a cicatrização;
i) Devem ser drenadas as flictenas com assepsia;
j) As gazes de parafina de uma camada podem ser indicadas quando os hidrocolóides estão indisponíveis;
k) Nas cicatrizes decorrentes de queimadura deve ser prescrita proteção solar máxima no primeiro ano após a queimadura. - Tratamento de queimaduras moderadas a graves:
a) As pessoas com queimaduras elétricas e com traumatismos associados apresentam risco aumentado de insuficiência renal aguda por rabdomiólise e deve alcalinizar-se a urina, através da prescrição de bicarbonato de sódio;
b) As queimaduras químicas não devem ser neutralizadas e devem ser irrigadas com água durante pelo menos uma hora, com exceção da queimadura por cal viva (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
i. No caso das lesões químicas oculares deve ainda a pessoa ser observada por oftalmologista59.
c) Na queimadura química por cal viva, a primeira atitude deve ser a de remover, sem água, o produto químico (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
d) A pessoa deve ser mantida quente (normotérmico), com temperatura > 35ºC e seco (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
e) A intubação endotraqueal deve ser considerada nas seguintes situações (Anexo I) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
i. Pessoas em coma;
ii. Persistência de hipoxemia SaO2 ≤ 90% apesar de suplementação de O2;
iii. Percentagem de queimaduras > 35%41;
iv. Insuficiência respiratória;
v. Índice de Clark > 2 (score clínico da lesão inalatória63;
vi. Inalação e ou Intoxicação por monóxido de carbono;
vii. Queimaduras circunferenciais do tórax.
f) Deve ser assegurado o acesso venoso periférico, preferencialmente dois cateteres (de calibre 16 ou 14 G) em área não queimada (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I );
g) Devem ser prescritos os seguintes testes laboratoriais: hemograma, ionograma, uremia, PTT, tempo de protrombina, creatinemia, glicemia, proteina C reativa, creatinafosfoquinase, proteínas totais/albumina, pesquisa de substancias (drogas, medicamentos) na urina e teste de gravidez se aplicável (Nível de Evidencia A, Grau de Recomendação).
h) Deve ser prescrita profilaxia do tétano se aplicável41;
i) Deve ser prescrito, como primeira opção o lactato de ringer de acordo com a fórmula de Parkland no adulto (4ml x Kg x % de área total de superfície corporal queimada 9 e com a fórmula de Brook modificada na criança (2ml x kg x % da área total de superfície corporal queimada)10 (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
i. Adultos e crianças com queimaduras superiores a 20% da área total de superfície corporal queimada64.
j) A avaliação da dor com escala apropriada ao grupo etário e especificidades da pessoa deve ser realizada e registada65,66.
k) Imediatamente após o arrefecimento e cobertura da queimadura (ex: lençol esterilizado) deve prescrever-se analgesia endovenosa (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
l) Deve ser considerada a prescrição de opióides (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
i. Adultos: morfina 2 mg via endovenosa, repetindo se necessário cada 5 minutos até dose máxima de 0,2 mg/kg;
ii. Crianças: morfina 0,1mg/kg via endovenosa, repetindo se necessário cada 15 minutos até dose máxima de 0,2 mg/kg.
m) Em alternativa, podem ser prescritos paracetamol e/anti-inflamatórios não esteroides (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
n) Deve ser mantido o débito urinário a 0,5 ml/kg/hora no adulto e 0,5 a 1 mg/Kg/hora na criança com peso < 30Kg, através de reposição da volémia (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I). - Deve ser efetuada monitorização hemodinâmica dos seguintes parâmetros (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
a) Débito urinário;
b) Frequência cardíaca;
c) Estado de consciência;
d) Saturação de Oxigénio;
e) Pressão Arterial. - Deve ser efetuada monitorização laboratorial, a cada 6 horas nas primeiras 24 horas de ressuscitação pós queimadura e posteriormente a cada 12 horas até às 72 horas.
- Qualquer exceção à presente Norma é fundamentada clinicamente, com registo no processo clínico.
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