As indicações para proceder ao diagnóstico de fibrose quística (FQ) devem ser as seguintes (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
- História familiar de irmão com FQ ou homozigotia, heterozigotia composta ou heterozigotia para FQ em ambos os progenitores; e/ou
- Risco genético em feto com confirmação molecular prévia de homozigotia, heterozigotia composta ou heterozigotia para FQ em ambos os progenitores e intenção de interrupção de gravidez, em caso de confirmação diagnóstica de FQ;
- Suspeita clínica:
- No período pré-natal se ecografia fetal com identificação de hiperecogenicidade intestinal e/ou de ansas intestinais de calibre aumentado;
- No recém-nascido perante as situações de íleus meconial, icterícia neonatal prolongada, edema e hipoalbuminemia;
- No período neonatal, lactentes e crianças na presença de diarreia/esteatorreia, atraso estato-ponderal, infeções respiratórias de repetição, dificuldade respiratória obstrutiva baixa persistente e/ou recorrente, tosse crónica produtiva, bronquiectasias sem causa evidente, hipocratismo digital sem causa evidente, colestase hepática, cirrose biliar, prolapso rectal, desidratação hiponatrémica e hipoclorémica, alcalose metabólica, manifestações ORL (polipose nasal, sinusite crónica);
- Na adolescência e idade adulta para além das manifestações descritas para os grupos etários mais jovens, pancreatite aguda recorrente, síndrome de obstrução intestinal distal, diabetes associado a sintomas respiratórios, infertilidade por azoospermia obstrutiva.
- Rastreio neonatal positivo (encontra-se em curso, desde Outubro de 2013, após realização de projeto piloto de rastreio neonatal da fibrose quística e antecipa-se a sua inclusão no Programa Nacional de Diagnóstico Precoce).
A metodologia diagnóstica que deve ser efetuada é:
- Para as situações enumeradas em 1.a) e/ou 1.b) a avaliação diagnóstica deve iniciar-se pela confirmação da presença ou ausência das mutações identificadas nos progenitores;
- Para a situação enumerada em 1.c) i. a avaliação diagnóstica deve iniciar-se pela realização do estudo genético nos progenitores (salvaguardando sempre o armazenamento de material fetal caso exista outra indicação para a realização de técnica invasiva);
- Para a situação enumerada em 1.c) i. pode ser indicado o estudo genetico direto do feto se a idade gestacional for próxima do limite legal para a interrupção médica da gravidez e a grávida (o casal é envolvido e ouvido) tiver manifestado a intenção de não prosseguir a gestação se o feto for afetado;
- No recém-nascido (RN) a marcha diagnóstica deve iniciar-se pelo doseamento dos níveis séricos da tripsina imunorreativa (TIR) e da proteína associada à pancreatite (PAP) no cartão de Guthrie (de acordo com o algoritmo de rastreio implementado em Portugal);
- O diagnóstico deve fazer-se pela prova do suor. No RN com rastreio neonatal positivo e assintomático logo a partir das duas semanas de vida e peso superior a 2Kg e no RN sintomático (eg. com ileus meconial) logo ao 2º dia de vida, se a quantidade de suor colhida for a adequada1 (Anexo I, Quadro 1).
- Na valorização da prova de suor tem que se ter em atenção que:
- O método quantitativo desenvolvido por Gibson e Cooke, conhecido como Quantitative Pilocarpine Iontophoresis Test (QPIT), deve ser a prova de referência para a confirmação diagnóstica da FQ quando o valor do ião cloreto >60 mmol/L (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- O método semiquantitativo, mais generalizado, obtido pelo Macroduct Sweat Collection System associado ao Wescor Sweat Check Conductivity Analyser, deve ser utilizado como rastreio e não como diagnóstico (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- Uma prova do suor efetuada pelo método semiquantitativo (determinação da condutividade do NaCl no suor com resultados intermédios (50-85 mmol/L) ou positivos (> 85-90 mmol/L) (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação IIa) deve ser confirmada pela realização de uma prova quantitativa:
- Apesar de um valor >90 mmol/L suportar o diagnóstico, não o confirma, pelo que o diagnóstico não deve ser só baseado na determinação da condutividade do NaCl: Nesta situação e no caso de não se ter realizado a prova do suor quantitativa, o estudo genético pode confirmar o diagnóstico, se identificadas mutações consideradas causadoras de FQ, em cada um dos alelos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I). Uma prova do suor quantitativa positiva, deve ser sempre confirmada com uma segunda prova: No caso de não se ter realizado a segunda prova do suor, o estudo genético pode confirmar o diagnóstico, se identificadas mutações consideradas causadoras de FQ, em cada um dos alelos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
O estudo genético deve obedecer às seguintes premissas:
- Na situação referida em 1.a) a prescrição do estudo genético deve ser realizado no âmbito de uma consulta de um serviço de genética médica;
- Nas situações referidas em 1.b) e 1c)i. a prescrição do estudo genético deve ser realizado no âmbito de um centro de diagnóstico prénatal em articulação obrigatória com um serviço de genética médica;
- Nas situações referidas em 1.c)ii., iii. e iv e 1.d) a prescrição da pesquisa de mutações no gene CFTR associado à FQ deve ser feito nas consultas especializadas de fibrose quística em articulação com um serviço de genética médica;
- O estudo genético deve ser prescrito, fazendo referência a (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
- Indicação para a realização do estudo (suspeita clínica de fibrose quística, doença relacionada com CFTR, pesquisa de portadores, diagnóstico pré-natal);
- Quadro clínico;
- Origem étnica e geográfica para ajuste individual do painel de mutações a pesquisar;
- O relatório do estudo genético deve incluir as seguinte informação (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
- Listagem das mutações pesquisadas, sensibilidade e métodos utilizados;
- As mutações encontradas devem ser referidas segundo a nomenclatura HGVS (Human Genome Variation Society) e a nomenclatura tradicional (CFGAC Mutation Databases);
- Deve ser prescrito nas seguintes situações:
- No caso índex, quando:
- A prova do suor tem valor diagnóstico (Cl- >60 mmol/L) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- A prova do suor apresenta valor intermédio (Cl- entre 40 e 60 mmol/L) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- A prova de suor semiquantitativa apresenta valor que suporta o diagnóstico ( NaCl > 90mml/L) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
- No âmbito de consultas em serviço de genética médica em irmãos ou outros familiares de doentes com FQ:
- Para confirmar ou excluir o diagnóstico sempre que haja confirmação molecular prévia de homozigotia, heterozigotia composta ou heterozigotia para FQ em ambos os progenitores;
- Quando existe capacidade de autorizção do próprio para confirmar ou excluir heterozigotia.
- No período pré-natal, efetuado nas vilosidades coriónicas ou nas células do líquido amniótico, deve ser indicado para estudo do feto nas seguintes situações (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I):
- Se ambos os progenitores são homozigotos, heterozigotos compostos ou heterozigotos para mutações causadoras de FQ deve ser indicada a possibilidade de utilização do diagnóstico genético pré-implantação ou do diagnóstico genético pré-natal;
- Se forem identificadas alterações ecográficas fetais sugestivas de FQ deve ser indicado a possibilidade de utilização do diagnóstico genético pré-natal
- A possibilidade de análise de segregação (linkage) deve ser indicada a famílias de doentes com fibrose quística, quando o estudo das mutações de FQ não é informativo (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
Considerando a evidência de disfunção da proteína Cystic Fibrosis Transmembran Conductance Regulator (CFTR), a nível das células epiteliais da mucosa nasal e intestinal, nos casos em que a prova do suor e o estudo genético não foram conclusivos, deve ser indicado a nível do centro de tratamento especializado, os seguintes estudos:
- Determinação da diferença de potencial nasal (DPN) (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- Determinação da secreção de cloreto a nível da mucosa intestinal (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação IIa).
A quantificação da elastase fecal-1 nas fezes para avaliação da função pancreática suporta o diagnóstico de FQ deve ser prescrito a partir das 2 semanas de vida (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
Em situação de diagnóstico inconclusivo, deve ser efetuada referenciação a efetivar no prazo máximo de 8 dias a consulta especializada de FQ, devendo o doente ser orientado a nível do centro de tratamento especializado.
O espermograma pode ser prescrito em casos de infertilidade masculina para confirmar a azoospermia obstrutiva e a ecografia escrotal pode ser prescrita para documentar ausência congénita bilateral dos vasos deferentes (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
Após identificação de doente com FQ, deve ser efetuada a referenciação a efetivar no prazo máximo de 8 dias a consulta especializada de FQ, sendo o seguimento/acompanhamento ser assegurado por consulta de FQ em centro de tratamento especializado.
O doente e a família, sempre que se confirme o diagnóstico de FQ devem ser referenciados para uma consulta de um serviço de genética médica, a efetivar no prazo máximo de 90 dias.
Nos casos em que se aguarda confirmação diagnóstica o casal deve ser informado do risco de transmissão da doença em nova gravidez e aconselhar aguardar os resultados (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I).
Qualquer exceção à Norma é fundamentada clinicamente, com registo no processo clínico.
O algoritmo clínico (ver pdf).
O instrumento de auditoria clínica (ver pdf).
A presente Norma, atualizada com os contributos científicos recebidos durante a discussão pública, revoga a versão de 10/01/2014 e será atualizada sempre que a evolução da evidência científica assim o determine.
O texto de apoio seguinte orienta e fundamenta a implementação da presente Norma.