A presente Norma deve ser aplicada às pessoas, de diferentes grupos etários (pré-natal, pós-natal), que estão em processo de investigação clínica (grupos de investigação), para orientação de diagnóstico de doença hereditária do metabolismo (DHM) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Considerando que as DHM são doenças raras e heterogéneas, a avaliação etiológica deve ser efetuada em simultâneo com outras etiologias mais comuns, de modo a evitar o atraso de diagnóstico de DHM passíveis de tratamento específico, apesar da sua raridade (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
As indicações para avaliação diagnóstica de DHM na pessoa com sinais e sintomas não adequadamente justificados por outras causas mais comuns, devem ser as seguintes (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Risco genético em feto com história familiar positiva, concretamente irmão ou progenitor(es) (patologias autossómicas recessivas, dominantes, ligadas aos cromossomas sexuais ou do DNA mitocondrial) com:
- Diagnóstico prévio de DHM especifica, com confirmação e caracterização bioquímica (enzimática) e/ou molecular; e
- Indicação de interrupção médica de gravidez; ou
- Patologias tratáveis in útero ou perinatal.
- Em qualquer idade face a história familiar positiva e na presença de sintomatologia de risco e/ou possibilidade de intervenção que altere o curso da doença;
- Recém-nascido (RN) filho de mãe com síndrome de HELLP ou com esteatose hepática aguda da gravidez;
- Rastreio neonatal de DHM (RNN) positivo ou suspeito;
- Risco clínico de acordo com grupo etário:
- Pré-natal: identificação de hidrópsia, hepato e/ou esplenomegalia, microcefalia, macrocefalia, alteração de estrutura cerebral, convulsões, cardiomiopatia, arritmia, restrição de crescimento intrauterino (RCIU);
- RN e lactente: sepsis-like, deterioração neurológica, coma, letargia, convulsões, hipotonia, insuficiência hepática, colestase, organomegalia, cardiomiopatia, arritmia, hidrópsia, e/ou dismorfia, e/ou manifestações crónicas, designadamente neurológicas (ex.: atraso do desenvolvimento psicomotor, deficiências neurosensoriais, epilepsia), digestivas (ex.: vómitos, má evolução estaturoponderal) e/ou musculares;
- Criança e adolescente com sintomatologia aguda, recorrente e/ou crónica, com manifestações:
- Neurológicas (ex.: coma, acidente vascular cerebral/acidente isquémico transitório, vómitos recorrentes com prostração desproporcionada, crises de ataxia, epilepsia, deterioração neurológica, alteração do sistema nervoso periférico, atraso do desenvolvimento psicomotor/défice intelectual, regressão do DPM/demência);
- Psiquiátricas (ex.: alterações do comportamento, quadros psicóticos, depressão, demência);
- Gastrenterológicas e hepáticas (insuficiência hepática, síndrome Reye-like, organomegalia);
- Renais (ex.: tubulopatia, litíase);
- Musculares (ex.: fraqueza muscular, intolerância ao exercício, dor muscular, rabdomiólise);
- Cardíacas (ex.: cardiomiopatia, arritmia);
- Hematológicas (ex.: tendência hemorrágica e/ou trombótica, citopenias);
- Oftalmológicas (ex.: cataratas, opacidade corneana, luxação do cristalino, retinopatia);
- Auditivas (ex.: surdez sensorial);
- Cutâneas (ex.: angioqueratoma, ictiose, pili torti);
- Outras manifestações clínicas (ex.: episódios de desidratação, dor abdominal);
- No adulto, devem ser incluídas as manifestações da criança e adolescente nos termos da presente Norma com enfoque nas alterações psiquiátricas (ex.: psicose atípica, depressão), doença neurológica (coma não esclarecido, neuropatia periférica, alteração do movimento, paraparésia espástica, epilepsia, demência), surdez, ptose palpebral e envolvimento muscular com intolerância ao exercício;
Nas situações acima referidas valorizar sobretudo quadros clínicos com associação de manifestações não esclarecidas.
Devem ser referenciados a consulta de diagnóstico pré-natal do Centro de Referência de DHM, a efetivar no prazo máximo de 15 dias, os progenitores referidos na alínea a) do ponto 3 da presente Norma (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I) e em situações de morte súbita e/ou de causa não esclarecida de filhos em idade pediátrica.
No grupo de investigação referido na alínea c) do ponto 3 da presente Norma (RN filho de mãe com síndrome de HELLP ou com esteatose hepática aguda da gravidez) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Cabe ao obstetra informar o pediatra da situação clínica;
- Cabe ao pediatra, a avaliação clínica imediata do RN com registo de glicemia, cetonemia e colheita de sangue em cartão de Guthrie e respetivo envio à unidade de rastreio neonatal, metabolismo e genética (URN);
- Na presença de hipoglicemia e/ou sintomatologia deve ser realizada correção e monitorização de glicemia, colheita de urina e contacto com Centro de Referência de DHM;
- Na ausência de sintomatologia, glicemia normal e rastreio inicial negativo deve ser prescrita colheita de sangue para rastreio após o 3º dia de vida, incluindo-se no Programa Nacional de Diagnóstico Precoce.
Deve ser referenciada a Centro de Referência de DHM, a efetivar no prazo máximo de 15 dias, a grávida com situação clínica, constante na subalínea i) da alínea e) do ponto 3 da presente Norma (risco clínico pré-natal) para avaliação conjunta pela equipa de diagnóstico pré-natal (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
No grupo de investigação definido na alínea d) do ponto 3 da presente Norma (rastreio neonatal positivo ou suspeito) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Cabe à URN o contacto prévio telefónico e eletrónico com o Centro de Referência de DHM, acompanhado da seguinte informação: identificação da mãe, morada, telefone de contacto, data de nascimento, género e idade do RN à data da colheita, local da colheita, alteração bioquímica registada e diagnóstico provável.
- Cabe ao Centro de Referência de DHM:
- O contacto imediato com a representante legal (mãe) e a avaliação clínica do RN, de acordo com gravidade da situação, a efetivar no prazo máximo de 72 horas;
- Na impossibilidade de contacto com mãe, o Centro de Referência deve acionar mecanismos de contacto com a unidade de saúde (cuidados de saúde primários ou hospital) que efetuou a colheita e/ou da área de residência ou autoridades locais;
- Contacto imediato com a unidade de saúde para estabelecimento de priorização de transferência do RN para Centro de Referência, de acordo com diagnóstico e gravidade clínica;
- Envio de amostras biológicas do RN e da mãe à URN.
Nos grupos de investigação definidos na alínea e) do ponto 3 da presente Norma (risco clínico), devem ser considerados diferentes grupos fisiopatológicos: doenças do metabolismo intermediário (tipo intoxicação e/ou défice energético) ou outras com apresentação aguda, recorrente e/ou crónica e doenças de moléculas complexas, de apresentação crónica (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Em situação aguda suspeita de DHM, na idade pediátrica e no adulto, deve ser efetuada determinação de glicemia por meio de teste rápido, preenchimento de um cartão de Guthrie e prescrição de colheita de amostra de urina (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Deve ser referenciado a serviço de urgência hospitalar (SU), após contacto prévio, a pessoa (idade pediátrica e adulto) em situação aguda com suspeita de DHM, após determinação de glicemia por meio de teste rápido e preenchimento de um cartão de Guthrie e prescrição de colheita de amostra de urina (a realizar na unidade de saúde ou durante o transporte) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
A referenciação a serviço de urgência hospitalar (SU) deve ser acompanhada da seguinte informação clínica (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- História sumária;
- Descrição do exame clínico;
- Resultados de exames de leitura rápida e outros efetuados;
- Produtos colhidos em fase inicial (cartão de Guthrie e urina);
- Medidas iniciais adotadas;
- Indicação do médico do SU ou do médico do Centro de Referência contactado, conforme aplicável.
No serviço de urgência devem ser efetuadas os seguintes procedimentos na pessoa com suspeita de DHM (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Avaliação ABCDE (manutenção da via aérea com controlo da coluna cervical (A-Airway maintenance with cervical spine control); ventilação (B - Breathing); circulação com controlo hemorrágico e acesso venoso (C - Circulation with haemorrhage control); verificação do estado de consciência (D - Disability: Neurological status); Exame completo do corpo (E – Exposure);
- Estabilização clínica;
- Prescrição e realização de testes de leitura imediata (glicemia, cetonemia, equilíbrio ácidobase) e amoniemia em situações de coma; e
- Prescrição de colheita de produtos biológicos para reserva:
- Sangue em EDTA e sangue em cartão de Guthrie (temperatura ambiente); e
- Plasma, soro e urina (congelados a - 20ºC).
Deve ser referenciado a Centro de Referência, a efetivar no prazo máximo de 72 horas, após contacto prévio, a pessoa (idade pediátrica ou adulto) com situações agudas, de sintomatologia de causa não esclarecida (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Vómitos recorrentes com prostração;
- Ataxia intermitente;
- Coma, incluindo o associado ao valproato de sódio;
- Convulsões refratárias e/ou recorrentes;
- Episódio tipo AVC;
- Quadro psicótico (no adolescente e no adulto);
- Dor abdominal intensa e/ou recorrente, grave (no adolescente e no adulto)
- Insuficiência cardíaca (miocardiopatia/arritmia);
- Hepatite, incluindo a associada ao valproato de sódio/hepatomegália/ insuficiência hepática aguda;
- Rabdomiólise;
- Hipoglicemia grave e/ou recorrente;
- Acidose metabólica com (ou sem) aumento do hiato aniónico (inclui a cetoacidose);
- Hiperamoniemia, incluindo a associado ao valproato de sódio;
- Hiperlactacidemia /acidose láctica, persistente após correção de choque/ insuficiência cardíaca.
A referenciação a Centro de Referência de DHM em situação aguda deve ser acompanhada da seguinte informação clínica (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Anamnese;
- Exame físico;
- Meios complementares de diagnóstico, realizados;
- Produtos biológicos colhidos em fase aguda;
- Medidas terapêuticas adotadas;
- Indicação do médico do Centro de Referência contactado.
Deve ser referenciado a Centro de Referência de DHM, a efetivar no prazo máximo de 45 dias (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- O lactente com clinica suspeita de DHM;
- Pessoa com manifestações agudas/recorrentes sugestivas de DHM, fora do período de crise.
Deve ser referenciada a Centro de Referência de DHM, a efetivar no prazo máximo de 90 dias, a pessoa com manifestações crónicas sugestivas de DHM (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
A referenciação a Centro de Referência de DHM, referida nos pontos 15 e 16 em situação não aguda deve ser acompanhada da seguinte informação clínica (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Anamnese, incluindo:
- História familiar detalhada;
- História obstétrica e neonatal;
- História alimentar e eventual relação entre os sintomas e o jejum/ tipo de alimentação;
- Curvas de crescimento.
- Descrição detalhada do exame clinico;
- Produtos biológicos colhidos em fase de crise, quando existentes;
- Meios complementares de diagnóstico realizados;
- Medidas terapêuticas adotadas.
No âmbito da investigação etiológica de situações clínicas não esclarecidas deve ser considerada a prescrição de testes genéticos, devidamente fundamentada no processo clínico, a nível hospitalar (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Os estudos genéticos devem ser prescritos e efetuados a nível do Centro de Referência de DHM (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Para confirmação de DHM em pessoas sem diagnóstico genético;
- Para confirmação diagnóstica de DHM afirmada a nível bioquímico no rastreio NN;
- Para rastreio familiar de DHM em pessoas assintomáticas e aconselhamento genético.
A monitorização clínica das pessoas com diagnóstico de DHM deve ser realizada sob a coordenação do Centro de Referência de DHM, através de (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Controlo clínico regular, pelo menos, anual, no Centro de Referência; e
- Seguimento da pessoa a nível da unidade de saúde de proximidade; e
- Seguimento da mulher com DHM na fase pré-conceção, na gravidez, no parto e no puerpério no Centro de Referência.
Deve ser referenciada à consulta de diagnóstico pré-natal do Centro de Referência de DHM, a efetivar no prazo máximo de 90 dias, a mulher que pretende planear gravidez, no caso de risco de transmissão de DHM (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
A referenciação a consulta de diagnóstico pré-natal do Centro de Referência de DHM deve ser acompanhada da seguinte informação clínica (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Anamnese;
- Exame físico;
- Meios complementares de diagnóstico realizados;
- Medidas terapêuticas adotadas.
A pessoa (idade pediátrica e adulto) e/ou representante legal devem ser informados e esclarecidos da situação clínica, da necessidade de referenciação, do tratamento e do seguimento.
Deve ser obtido os consentimento informado escrito de acordo com a Norma nº 015/2013 “Consentimento informado, esclarecido e livre dado por escrito”.
Deve ser emitido um Cartão de Pessoa com Doença Rara (CPDR) à pessoa com o diagnóstico de Doença Rara (Consultar Norma N.º 008/2014 “Cartão da Pessoa com Doença Rara”).
Em situação de morte súbita e/ou de causa não esclarecida em idade pediátrica, com observação em ambiente hospitalar, deve ser cumprido procedimento de investigação etiológica perimortem imediata (Anexo I) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
O Centro de Referência deve articular com hospitais, cuidados de saúde primários e unidades de saúde privadas da região, a nível assistencial, de formação e de investigação, com adequada identificação de interlocutores (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Os Centros de Referência de DHM nacionais devem articular-se entre si, em complementaridade, a nível assistencial, de formação e de investigação (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Os Centros de Referência de DHM devem articular com outros centros de referência nacionais que efetuam o seguimento de pessoas com DHM, por diagnósticos ou intervenção terapêutica concomitantes ou complementares.
Qualquer exceção à Norma é fundamentada clinicamente, com registo no processo clínico.
Os algoritmos clínicos.
O instrumento de auditoria clínica.
O conteúdo da presente Norma foi validado cientificamente pela Comissão Científica para as Boas Práticas Clínicas e será atualizado sempre que a evidência científica assim o determine.
O texto de apoio seguinte orienta e fundamenta a implementação da presente Norma.