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Norma nº 002/2019

Abordagem Diagnóstica e Intervenção na Perturbação do Espectro do Autismo em Idade Pediátrica e no Adulto

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  1. Em idade pediátrica, a vigilância e o rastreio da perturbação do espetro do autismo (PEA), de acordo com o Programa de Saúde Infantil e Juvenil, devem ter em consideração (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):

    1. Valorização das preocupações dos pais ou representante legal ou cuidador;
    2. Existência de familiares diretos com o diagnóstico de perturbação do espetro do autismo (PEA);
    3. Regressão no desenvolvimento, nomeadamente, perda de competências de linguagem ou de socialização;
    4. Entre 0 e 6 meses:
      1. Registo de avaliação de sinais precoces aos seis meses:
        1. Ausência de contacto visual;
        2. Não sorrir em resposta;
        3. Passividade/baixo nível de atividade;
        4. Irritabilidade extrema;
        5. Tendência a fixar objetos;
        6. Ausência ou pouco interesse por pessoas;
        7. Pouca interação social;
        8. Mímica facial pobre;
        9. Não se orientar para a voz humana;
        10. Ausência de reações antecipatórias (ex: não estende os braços para “ser pegado ao colo”).
      2. Aos 12 meses, para além dos sinais referidos para os seis meses:
        1. Vocalização escassa ou monótona;
        2. Não usar gestos na comunicação;
        3. Não responder ao chamamento;
        4. Ausência de atenção conjunta (ex: não mostra curiosidade ou partilha o interesse do outro);
        5. Ausência de padrões motores de imitação do outro;
        6. Alteração da reatividade sensorial (ex: hipo e hipersensibilidade aos sons, sub reatividade à dor);
        7. Aos 18 meses e aos 24 meses, a presença de pontuação superior a 3 (falha em 3 itens no total) ou em 2 dos itens considerados críticos (2,7,9,13,14,15) no Modified Checklist for Autism in Toddlers - Revisto com Entrevista de Seguimento (M-CHAT - R/F) (Anexo I);
      3. Na criança entre os 2 e os 6 anos de idade, para além dos referidos para idade inferior a 24 meses:
        1. Perturbação na aquisição e desenvolvimento da fala e, nomeadamente, aos 24 meses não dizer espontaneamente frases de duas palavras;
        2. Uso idiossincrático e estereotipado de palavras ou frases;
        3. Tendência para o isolamento ou perturbação manifesta na interação com os pares;
        4. Não apontar com o indicador para os objetos para dirigir a atenção dos outros;
        5. Ausência de iniciativa na interação social;
        6. Dificuldade no jogo simbólico;
        7. Dificuldade em aceitar a mudança;
        8. Interesse obsessivo por determinadas texturas, materiais, pessoas, objetos ou partes dos mesmos;
        9. Persistência de gestos ou comportamentos estereotipados ou repetitivos e posturas invulgares.
    5. Na criança com idade igual ou superior a 6 anos para além dos referidos para idade inferior a seis anos:
      1. Evitamento da interação social com os pares ou preferência pelo convívio com os adultos e com os mais novos;
      2. Interação desadequada com os pares (ex: regulação da distância, dificuldade na interpretação dos sinais do outro);
      3. Dificuldade de interpretação de conteúdos não explícitos da comunicação;
      4. Dificuldade no planeamento, organização práxica e coordenação motoras [manifestação em diversos contextos (ex: sala de aula, no ginásio ou nos recreios e no domicílio)];
      5. O balanceio do corpo, os gestos e sons repetitivos (estereotipias) mais frequentes em situações de stress ou ansiedade.
    6. Questionar pais ou representante legal ou cuidador quando espontaneamente não verbalizam preocupações;
  2. No adulto, considerando que as características sindromáticas referidas na alínea e) do ponto 1 da presente Norma, tendem a sofrer uma modificação qualitativa, influenciada pelo crescimento, pela experiência e pela aprendizagem, deve ser efetuada a avaliação clínica, com enfoque na (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):

    1. Interação social desadequada (ex: dificuldade em regular a distância na relação com o outro, dificuldade na leitura do contexto social, contacto demasiado formal ou tendência ao isolamento);
    2. Rigidez, comportamental e cognitiva, a restrição de interesses e comportamentos repetitivos (em relação aos quais não têm crítica e que lhes são mesmo confortáveis);
    3. História pregressa e do desenvolvimento, orientada para a presença de sinais na infância e adolescência, nos termos da presente Norma.
  3. A avaliação diagnóstica de perturbação do espetro do autismo (PEA) deve ser clínica, através da avaliação de um conjunto de sinais e sintomas agrupados em áreas semiológicas (duas na DSM-5; ou três na CID 10 MC; ou cinco na DC:0-5, nomeadamente: défices nas competências de comunicação e de interação e padrões do comportamento, interesses e atividades, restritos, repetitivos e estereotipados, dificuldades no planeamento motor e da reatividade e processamento sensorial) e deve assentar nos critérios das diferentes classificações (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação 1):

    1. DC:0-5 ou DSM-5 (299.0) ou CID 10 MC(F84) na primeira infância (idade inferior ou igual a 5 anos) (Anexo II);
    2. DSM-5 (299.0) ou da CID 10 MC(F84) em idade superior a 5 anos (Anexo II);
    3. Não devem ser prescritos meios complementares de diagnóstico (MCDT), exceto os seguintes devidamente fundamentados (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):
      1. Eletroencefalograma (EEG) na suspeita de regressão ou crise de natureza epilética;
      2. Ressonância magnética cranioencefálica (RM CE) na presença de alterações no exame objetivo, designadamente alterações no exame neurológico, alterações da pigmentação cutânea e do perímetro craniano;
    4. Estudo metabólico para diagnóstico etiológico (consultar Norma sobre a Abordagem Diagnóstica e Critérios de Referenciação de Doenças Hereditárias do Metabolismo em Idade Pediátrica e no Adulto da Direção-Geral da Saúde).
  4. A prescrição de testes genéticos para diagnóstico etiológico de perturbação do espetro do autismo (PEA) deve ser devidamente fundamentada, de acordo com a história familiar e história natural da PEA na presença de dismorfia ou incapacidade intelectual ou história familiar de doença genética ou de incapacidade intelectual e deve ainda cumprir as American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG) Practice Guidelines (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):

    1. Como primeira linha: - FMR1 (X frágil) no sexo masculino;
    2. Como segunda linha: - Array CGH 750kb.
    3. Sequenciação do gene MECP2 no sexo feminino quando array CGH normal;
    4. Sequenciação do gene PTEN na criança com perímetro cefálico superior a 2,5 desvio padrão da média.
  5. Não deve ser prescrito tratamento farmacológico para as manifestações clínicas da perturbação do espetro do autismo (PEA) (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1).

  6. A abordagem terapêutica individualizada realizada a nível da consulta de especialidade hospitalar, em articulação com a equipa local de intervenção precoce e equipas locais de intervenção escolar e de transição para a vida adulta, conforme aplicável, deve assentar na intervenção não farmacológica de base relacional, de acordo com a situação clínica e o contexto individual (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).

  7. A intervenção não farmacológica deve ser individualizada à pessoa PEA de acordo com a situação clínica e contexto individual e deve incluir as seguintes componentes (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):

    1. Componente terapêutica, através de:
      1. Terapia ocupacional de integração sensorial;
      2. Intervenção da psicologia clínica;
      3. Terapia da fala.
    2. Componente pedagógica, através de:
      1. Inclusão educativa em centros de apoio à aprendizagem para a educação de alunos com perturbação do espetro do autismo (PEA) (UEEA), conforme critérios de gravidade definidos pela equipa multidisciplinar;
      2. Ensino especial e reabilitação;
      3. Psicologia educacional.
    3. A partir da idade escolar (igual ou superior a 6 anos), para além das componentes terapêutica e pedagógica, os modelos de intervenção devem assentar no treino de autonomia e de socialização em contexto ambiental e comunitário (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
  8. Deve ser prescrita terapêutica farmacológica dirigida exclusivamente a comorbilidades e a sinais e sintomas disruptivos de acordo com a situação clínica e contexto individual (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1):

    1. No controlo das alterações graves do comportamento devem ser prescritos antipsicóticos atípicos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
      1. Como primeira linha, risperidona via oral, na dose inicial 0,25 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz, na idade igual ou superior a 5 anos;
      2. Na ausência de eficácia ou intolerância à risperidona deve ser prescrito aripiprazol na dose inicial de 2,5 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz no adulto e na mulher a reavaliar no início da gravidez;
    2. No controlo da impulsividade, na diminuição da labilidade emocional e na redução do número e gravidade de episódios disruptivos, devem ser prescritos estabilizadores do humor:
      1. Valproato de sódio na dose inicial de 80 mg de 12h/12 horas, com titulação individual, com dose mínima eficaz, como primeira linha, exceto na mulher em idade fértil (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação 1);
      2. Carbamazepina na dose inicial de 100 mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz, na pessoa com maior heteroagressividade e na mulher (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1);
      3. Como segunda linha, topiramato na dose inicial de 25 mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1).
    3. Nas situações de comorbilidade com ansiedade, depressão e perturbação obsessiva compulsiva (POC) devem ser prescritos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI):
      1. Sertralina na dose inicial de 25mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz na perturbação da ansiedade social e depressão no adulto e na POC em idade igual ou superior a 6 anos (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1);
      2. Fluoxetina na dose inicial de 10mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz em idade igual ou superior a 8 anos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
      3. Fluvoxamina na dose inicial de 25mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz, em adultos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1).
    4. Em situações de comorbilidade com perturbação de hiperatividade e défice de atenção deve ser prescrito:
      1. Metilfenidato, a partir dos 6 anos, na dose inicial de 5 mg em duas tomas/dia, com titulação individual, com dose mínima eficaz; como primeira linha (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
      2. Como segunda linha, em idade igual ou superior a 6 anos, atomoxetina na dose inicial de 0,5 mg/Kg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1).
    5. Em situações de agitação psicomotora grave que não cede a monoterapia deve ser prescrita clonidina no adulto com exceção na mulher durante o período de aleitamento, na dose inicial de 1/4 (± 0,0375 mg) de comprimido (0,15 mg) em uma toma/dia, com titulação individual, com dose mínima eficaz, associada ao antipsicótico ou estabilizador do humor (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I);
    6. Alterações do sono:
      1. Como primeira linha, melatonina via oral na dose inicial 1 mg, à noite, com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
      2. Na ausência de eficácia de melatonina, risperidona via oral à noite na dose inicial 0,25 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz, na idade igual ou superior a 5 anos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
    7. Em cada avaliação deve ser ponderada a possibilidade de descontinuação de medicação, por forma a minimizar, nomeadamente, o aparecimento de complicações tardias devido ao uso crónico de neurolépticos;
    8. Não devem ser prescritas, para os sintomas nucleares do autismo, as intervenções com secretina, agentes quelantes, oxigénio hiperbárico, suplementos ácidos gordos, regime alimentar restritivo e neuro feedback (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1).
  9. O plano terapêutico multidisciplinar individualizado deve ser disponibilizado à pessoa, representante legal e cuidador, após confirmação do diagnóstico e comorbilidades e revisto em consulta (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).

  10. Qualquer exceção à presente Norma, deve ser fundamentada clinicamente, com registo no processo clínico.

  11. O conteúdo da presente Norma será atualizado sempre que a evidência científica assim o determine.

fluxograma da norma
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