Em idade pediátrica, a vigilância e o rastreio da perturbação do espetro do autismo (PEA), de acordo com o Programa de Saúde Infantil e Juvenil, devem ter em consideração (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):
- Valorização das preocupações dos pais ou representante legal ou cuidador;
- Existência de familiares diretos com o diagnóstico de perturbação do espetro do autismo (PEA);
- Regressão no desenvolvimento, nomeadamente, perda de competências de linguagem ou de socialização;
- Entre 0 e 6 meses:
- Registo de avaliação de sinais precoces aos seis meses:
- Ausência de contacto visual;
- Não sorrir em resposta;
- Passividade/baixo nível de atividade;
- Irritabilidade extrema;
- Tendência a fixar objetos;
- Ausência ou pouco interesse por pessoas;
- Pouca interação social;
- Mímica facial pobre;
- Não se orientar para a voz humana;
- Ausência de reações antecipatórias (ex: não estende os braços para “ser pegado ao colo”).
- Aos 12 meses, para além dos sinais referidos para os seis meses:
- Vocalização escassa ou monótona;
- Não usar gestos na comunicação;
- Não responder ao chamamento;
- Ausência de atenção conjunta (ex: não mostra curiosidade ou partilha o interesse do outro);
- Ausência de padrões motores de imitação do outro;
- Alteração da reatividade sensorial (ex: hipo e hipersensibilidade aos sons, sub reatividade à dor);
- Aos 18 meses e aos 24 meses, a presença de pontuação superior a 3 (falha em 3 itens no total) ou em 2 dos itens considerados críticos (2,7,9,13,14,15) no Modified Checklist for Autism in Toddlers - Revisto com Entrevista de Seguimento (M-CHAT - R/F) (Anexo I);
- Na criança entre os 2 e os 6 anos de idade, para além dos referidos para idade inferior a 24 meses:
- Perturbação na aquisição e desenvolvimento da fala e, nomeadamente, aos 24 meses não dizer espontaneamente frases de duas palavras;
- Uso idiossincrático e estereotipado de palavras ou frases;
- Tendência para o isolamento ou perturbação manifesta na interação com os pares;
- Não apontar com o indicador para os objetos para dirigir a atenção dos outros;
- Ausência de iniciativa na interação social;
- Dificuldade no jogo simbólico;
- Dificuldade em aceitar a mudança;
- Interesse obsessivo por determinadas texturas, materiais, pessoas, objetos ou partes dos mesmos;
- Persistência de gestos ou comportamentos estereotipados ou repetitivos e posturas invulgares.
- Na criança com idade igual ou superior a 6 anos para além dos referidos para idade inferior a seis anos:
- Evitamento da interação social com os pares ou preferência pelo convívio com os adultos e com os mais novos;
- Interação desadequada com os pares (ex: regulação da distância, dificuldade na interpretação dos sinais do outro);
- Dificuldade de interpretação de conteúdos não explícitos da comunicação;
- Dificuldade no planeamento, organização práxica e coordenação motoras [manifestação em diversos contextos (ex: sala de aula, no ginásio ou nos recreios e no domicílio)];
- O balanceio do corpo, os gestos e sons repetitivos (estereotipias) mais frequentes em situações de stress ou ansiedade.
- Questionar pais ou representante legal ou cuidador quando espontaneamente não verbalizam preocupações;
No adulto, considerando que as características sindromáticas referidas na alínea e) do ponto 1 da presente Norma, tendem a sofrer uma modificação qualitativa, influenciada pelo crescimento, pela experiência e pela aprendizagem, deve ser efetuada a avaliação clínica, com enfoque na (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):
- Interação social desadequada (ex: dificuldade em regular a distância na relação com o outro, dificuldade na leitura do contexto social, contacto demasiado formal ou tendência ao isolamento);
- Rigidez, comportamental e cognitiva, a restrição de interesses e comportamentos repetitivos (em relação aos quais não têm crítica e que lhes são mesmo confortáveis);
- História pregressa e do desenvolvimento, orientada para a presença de sinais na infância e adolescência, nos termos da presente Norma.
A avaliação diagnóstica de perturbação do espetro do autismo (PEA) deve ser clínica, através da avaliação de um conjunto de sinais e sintomas agrupados em áreas semiológicas (duas na DSM-5; ou três na CID 10 MC; ou cinco na DC:0-5, nomeadamente: défices nas competências de comunicação e de interação e padrões do comportamento, interesses e atividades, restritos, repetitivos e estereotipados, dificuldades no planeamento motor e da reatividade e processamento sensorial) e deve assentar nos critérios das diferentes classificações (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação 1):
- DC:0-5 ou DSM-5 (299.0) ou CID 10 MC(F84) na primeira infância (idade inferior ou igual a 5 anos) (Anexo II);
- DSM-5 (299.0) ou da CID 10 MC(F84) em idade superior a 5 anos (Anexo II);
- Não devem ser prescritos meios complementares de diagnóstico (MCDT), exceto os seguintes devidamente fundamentados (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):
- Eletroencefalograma (EEG) na suspeita de regressão ou crise de natureza epilética;
- Ressonância magnética cranioencefálica (RM CE) na presença de alterações no exame objetivo, designadamente alterações no exame neurológico, alterações da pigmentação cutânea e do perímetro craniano;
- Estudo metabólico para diagnóstico etiológico (consultar Norma sobre a Abordagem Diagnóstica e Critérios de Referenciação de Doenças Hereditárias do Metabolismo em Idade Pediátrica e no Adulto da Direção-Geral da Saúde).
A prescrição de testes genéticos para diagnóstico etiológico de perturbação do espetro do autismo (PEA) deve ser devidamente fundamentada, de acordo com a história familiar e história natural da PEA na presença de dismorfia ou incapacidade intelectual ou história familiar de doença genética ou de incapacidade intelectual e deve ainda cumprir as American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG) Practice Guidelines (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1):
- Como primeira linha: - FMR1 (X frágil) no sexo masculino;
- Como segunda linha: - Array CGH 750kb.
- Sequenciação do gene MECP2 no sexo feminino quando array CGH normal;
- Sequenciação do gene PTEN na criança com perímetro cefálico superior a 2,5 desvio padrão da média.
Não deve ser prescrito tratamento farmacológico para as manifestações clínicas da perturbação do espetro do autismo (PEA) (Nível de Evidência D, Grau de Recomendação 1).
A abordagem terapêutica individualizada realizada a nível da consulta de especialidade hospitalar, em articulação com a equipa local de intervenção precoce e equipas locais de intervenção escolar e de transição para a vida adulta, conforme aplicável, deve assentar na intervenção não farmacológica de base relacional, de acordo com a situação clínica e o contexto individual (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
A intervenção não farmacológica deve ser individualizada à pessoa PEA de acordo com a situação clínica e contexto individual e deve incluir as seguintes componentes (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
- Componente terapêutica, através de:
- Terapia ocupacional de integração sensorial;
- Intervenção da psicologia clínica;
- Terapia da fala.
- Componente pedagógica, através de:
- Inclusão educativa em centros de apoio à aprendizagem para a educação de alunos com perturbação do espetro do autismo (PEA) (UEEA), conforme critérios de gravidade definidos pela equipa multidisciplinar;
- Ensino especial e reabilitação;
- Psicologia educacional.
- A partir da idade escolar (igual ou superior a 6 anos), para além das componentes terapêutica e pedagógica, os modelos de intervenção devem assentar no treino de autonomia e de socialização em contexto ambiental e comunitário (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Deve ser prescrita terapêutica farmacológica dirigida exclusivamente a comorbilidades e a sinais e sintomas disruptivos de acordo com a situação clínica e contexto individual (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1):
- No controlo das alterações graves do comportamento devem ser prescritos antipsicóticos atípicos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I);
- Como primeira linha, risperidona via oral, na dose inicial 0,25 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz, na idade igual ou superior a 5 anos;
- Na ausência de eficácia ou intolerância à risperidona deve ser prescrito aripiprazol na dose inicial de 2,5 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz no adulto e na mulher a reavaliar no início da gravidez;
- No controlo da impulsividade, na diminuição da labilidade emocional e na redução do número e gravidade de episódios disruptivos, devem ser prescritos estabilizadores do humor:
- Valproato de sódio na dose inicial de 80 mg de 12h/12 horas, com titulação individual, com dose mínima eficaz, como primeira linha, exceto na mulher em idade fértil (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação 1);
- Carbamazepina na dose inicial de 100 mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz, na pessoa com maior heteroagressividade e na mulher (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1);
- Como segunda linha, topiramato na dose inicial de 25 mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1).
- Nas situações de comorbilidade com ansiedade, depressão e perturbação obsessiva compulsiva (POC) devem ser prescritos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI):
- Sertralina na dose inicial de 25mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz na perturbação da ansiedade social e depressão no adulto e na POC em idade igual ou superior a 6 anos (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1);
- Fluoxetina na dose inicial de 10mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz em idade igual ou superior a 8 anos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
- Fluvoxamina na dose inicial de 25mg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz, em adultos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1).
- Em situações de comorbilidade com perturbação de hiperatividade e défice de atenção deve ser prescrito:
- Metilfenidato, a partir dos 6 anos, na dose inicial de 5 mg em duas tomas/dia, com titulação individual, com dose mínima eficaz; como primeira linha (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
- Como segunda linha, em idade igual ou superior a 6 anos, atomoxetina na dose inicial de 0,5 mg/Kg/dia com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação 1).
- Em situações de agitação psicomotora grave que não cede a monoterapia deve ser prescrita clonidina no adulto com exceção na mulher durante o período de aleitamento, na dose inicial de 1/4 (± 0,0375 mg) de comprimido (0,15 mg) em uma toma/dia, com titulação individual, com dose mínima eficaz, associada ao antipsicótico ou estabilizador do humor (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I);
- Alterações do sono:
- Como primeira linha, melatonina via oral na dose inicial 1 mg, à noite, com titulação individual, com dose mínima eficaz (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
- Na ausência de eficácia de melatonina, risperidona via oral à noite na dose inicial 0,25 mg/dia com titulação individual com dose mínima eficaz, na idade igual ou superior a 5 anos (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1);
- Em cada avaliação deve ser ponderada a possibilidade de descontinuação de medicação, por forma a minimizar, nomeadamente, o aparecimento de complicações tardias devido ao uso crónico de neurolépticos;
- Não devem ser prescritas, para os sintomas nucleares do autismo, as intervenções com secretina, agentes quelantes, oxigénio hiperbárico, suplementos ácidos gordos, regime alimentar restritivo e neuro feedback (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1).
O plano terapêutico multidisciplinar individualizado deve ser disponibilizado à pessoa, representante legal e cuidador, após confirmação do diagnóstico e comorbilidades e revisto em consulta (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
Qualquer exceção à presente Norma, deve ser fundamentada clinicamente, com registo no processo clínico.
O conteúdo da presente Norma será atualizado sempre que a evidência científica assim o determine.