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Norma nº 012/2022

Via Verde do Trauma no Adulto

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  1. A Via Verde do Trauma (VVT) é parte integrante do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), utilizando a totalidade dos seus meios, nomeadamente pré-hospitalar e hospitalar.
  2. Todos os pontos da Rede de Trauma (RT) fazem parte da VVT.
  3. Na VVT definem-se como níveis de intervenção da RT diversos patamares de atendimento, que devem ser organizados de forma a prever o acesso a capacidade cirúrgica em menos do que 45 minutos de tempo de trajecto a partir do local de ocorrência:
    1. Pré-Hospitalar (Pré-H);
    2. Serviço de Urgência Básico (SUB);
    3. Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico (SUMC);
    4. Serviço de Urgência Polivalente (SUP), alguns dos quais poderão ter Centros de Trauma (CT), o polo mais diferenciado dos diversos níveis.
  4. Compete ao Conselho de Administração de cada instituição enquadrada na RT pugnar pela disponibilização dos recursos necessários à efetiva implementação da VVT, nomeadamente e no prazo máximo de 6 meses, com apresentação de Relatórios à respetiva Administração Regional de Saúde versando os seguintes pontos:
    1. Prever os procedimentos necessários para as instalações, material e equipamento indicados para a abordagem da vítima de trauma, assim como sistematizar a organização dos meios humanos existentes e efetuar o balanço do eventual recrutamento de recursos humanos requerido, com a promoção da respetiva formação específica e adequada;
    2. Disponibilizar o contacto telefónico atualizado dedicado à VVT para conhecimento de todos os intervenientes;
    3. Reunir os meios necessários para participar no Registo Nacional de Trauma (RNT), que engloba o requerido para a VVT;
    4. Os SUMC, SUP/CT devem ainda:
      1. Nomear um Médico Coordenador Local da VVT, informando a Comissão Regional do Trauma do elemento nomeado;
      2. Assegurar as condições necessárias para a formação específica do Coordenador Local da VVT e o cumprimento dos seus deveres e funções.
  5. Todos os SU da RT devem ter um número de telefone dedicado à VVT (fixo e móvel), do conhecimento de todos os intervenientes.
  6. Todos os Serviços de Urgência (SU) da RT devem ter uma Equipa de Trauma (ET) imediatamente disponível, constituída por um chefe, médico, da ET e diversos profissionais de saúde previamente definidos (Anexo I) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I), nos termos da Circular Normativa n.º 07/DQS/DQCO de 31 de março de 2010.
  7. Os SUMC, SUP e CT devem ter um Médico Coordenador Local da VVT que assume as seguintes competências:
    1. Promover a implementação local da VVT, com a identificação nominal de um médico responsável (coordenador da ET) pela liderança da gestão do trauma major em cada turno de serviço no SU;
    2. Identificar as necessidades formativas dos vários elementos da ET e agilizar a proposta de formação junto do Conselho de Administração da respetiva instituição;
    3. Promover e participar na formação em VVT dirigida aos diversos elementos da ET;
    4. Promover a realização dos índices de gravidade respeitantes aos casos de trauma major (que ativaram a ET);
    5. Auditar a introdução dos dados referentes aos casos de trauma major (que ativaram a ET) no RNT;
    6. Articular com a Comissão Nacional de Trauma, as Comissões Regionais de Trauma que vierem a ser criadas (com sede na ARS respetiva) e as Comissões Hospitalares a criar em sede de Regulamento Hospitalar.
  8. O CT deve ser constituído num SUP (ou associação de SUP) que disponha de acesso às seguintes valências de diagnóstico e tratamento6 (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I):
    1. Valências Médicas: Medicina Interna, Medicina Intensiva, Pneumologia com Fibroscopia, Gastroenterologia com Endoscopia, Cardiologia com capacidade de fazer Intervenção, Pediatria, Imuno-Hemoterapia e Medicina Física e Reabilitação;
    2. Valências Médico-Cirúrgicas: Anestesiologia, Cirurgia Geral, Ortopedia, Neurocirurgia, Cirurgia Maxilo-Facial, Cirurgia Plástica, Cirurgia Cardio-Torácica, Cirurgia Vascular, Cirurgia Pediátrica, Urologia, Oftalmologia e Otorrinolaringologia;
    3. Enfermagem: Enfermeiros Especialistas em Médico-Cirúrgica na área da Pessoa em Situação Crítica ou com Competências acrescidas em Emergência Extra-Hospitalar;
    4. Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT): Patologia Clínica com Toxicologia e Imagiologia (Radiologia e Neurorradiologia) diagnóstica e de Intervenção;
    5. Sistema de informação integrado no Registo Nacional de Trauma (RNT).
  9. Deve ser realizada formação específica e reconhecida com idoneidade conferida segundo a legislação aplicável7,8 e os sistemas de acreditação nacionais e internacionais atendíveis para os intervenientes da ET (Anexo I):
    1. Formação avançada em trauma para médicos e enfermeiros;
    2. Formação básica em técnicas de trauma e imobilização para outros profissionais.
  10. A formação avançada em trauma deve ser apoiada em cursos de trauma reconhecidos pelas sociedades científicas da área. A formação básica fica à responsabilidade de cada instituição, delegada no seu coordenador local da VVT, de acordo com as necessidades institucionais.
  11. A formação em Suporte Avançado de Vida (SAV) deve ser obrigatória para todos os médicos e enfermeiros das ET8 e deve ser apoiada em cursos certificados pelo INEM, I.P., nos termos da legislação aplicável, de acordo com as especificidades próprias a atender nas diversas valências conforme o atual estado da arte na formação.
  12. A passagem de informação na RT, quer entre níveis de intervenção, quer sempre que haja mudança de equipa cuidadora, deve ser objetiva e estruturada, verbal e escrita (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação I).
  13. A informação verbal e a documentação devem utilizar as mnemónicas AT-MIST (Age, Time of accident, Mechanism of incident, Injuries suspected, Signs and symptoms, Treatments), SBAR (Situation-Background-Assessment-Recommendation) e ABCDE (Airway, Breathing, Circulation, neurological Disability, Exposure), e incluir, pelo menos:
    1. Dados demográficos da vítima de trauma (idade, sexo, comorbilidades);
    2. Dados do acidente (mecanismo de lesão, causa externa, intenção de lesão, hora do acidente);
    3. Dados clínicos (sinais vitais no local, traumas suspeitos, tratamentos efetuados);
    4. Dados do transporte (variação dos sinais vitais, intercorrências).
  14. A documentação (em papel ou eletrónica) deve ser incluída no processo clínico da vítima de trauma e estar disponível para consulta.
  15. Todos os pontos da RT devem ter um método de documentação com uma linguagem comum e reunir condições que permitam a recolha, armazenamento e tratamento de dados para o RNT (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
  16. O RNT deve ser implementado de forma a garantir, a nível nacional:
    1. O seguimento da vitima de trauma nos diversos pontos da Rede de Trauma, com prioridade para os SUMC e SUP/CT;
    2. A incorporação de indicadores previstos para a Rede Nacional de Emergência e Urgência9;
    3. A monitorização continua dos indicadores da presente Norma.
  17. Devem ser reunidas condições para a produção de relatórios de auditoria para cada um dos pontos da rede e para o sistema de trauma, permitindo a monitorização da VVT (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação I).
  18. Em cada um dos níveis de atendimento, deve ser considerado:
    1. Na resposta pré-hospitalar, a equipa no local da ocorrência, em articulação com o médico do CODU, deve:
      1. Realizar a avaliação inicial da vítima de trauma e decidir qual o ponto da RT que melhor se adequa ao tratamento;
      2. Referenciar e transportar de imediato ao ponto da RT decidido, com transporte direto para o SU mais adequado, fazendo bypass à rede de referenciação geral, desde que cumpridos os critérios constantes do algoritmo de avaliação e referenciação para centro de trauma (Fluxograma);
      3. Contactar o ponto de destino na RT através do contacto dedicado à VVT, nos termos do ponto 22 da presente Norma.
    2. No SUB, a ET deve:
      1. Realizar a avaliação inicial da vítima de trauma;
      2. Avaliar a necessidade de transferência para outro ponto da RT;
      3. Fazer o transporte imediato ao ponto de RT decidido (em articulação com o CODU, preferencialmente em meio de transporte do INEM), fazendo bypass à rede de referenciação geral, desde que cumpridos os critérios constantes do algoritmo de avaliação e referenciação para centro de trauma (Fluxograma);
    3. No SUMC e no SUP, a ET deve:
      1. Realizar a avaliação inicial da vítima de trauma;
      2. Realizar a avaliação secundária;
      3. Avaliar a necessidade de transferência para outro ponto da RT, nos termos do ponto 33 da presente Norma;
      4. Se necessário, efetuar o transporte ao ponto da RT mais adequado (em articulação com o CODU), depois da estabilização inicial e as medidas de controlo de dano;
    4. No CT, a ET deve ter capacidade para, além de fazer a avaliação inicial e secundária da vítima de trauma, prestar os cuidados com vista ao tratamento definitivo.
  19. A avaliação inicial da vítima de trauma, seja em ambiente pré-hospitalar ou hospitalar, deve obedecer à sequência “ABCDE” (do inglês Airway, Breathing, Circulation, Neurological Disability, Exposure). Qualquer um dos níveis de atendimento definidos deverá completar a avaliação inicial nos primeiros 20 minutos após a chegada da equipa, conforme consta da tabela 3 (Circular Normativa 7/2010 da DGS) (Anexo II e III) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
  20. Na resposta pré-hospitalar, deve proceder-se à ativação da equipa de SAV (VMER/SHEM) para o local do acidente sempre que a triagem inicial, realizada através do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), seja indicativa de trauma major, conforme protocolo tipificado próprio, respeitando os critérios de ativação da ET (Anexo II).
  21. No contato telefónico efetuado por interlocutores que não sejam profissionais de saúde, a gravidade deve ser presumida conforme protocolo tipificado próprio para o pré-hospitalar (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I). A impossibilidade de cumprir com o indicado deve ser justificado no CODU, caso a caso.
  22. Os SU devem ter aviso prévio do transporte da vítima de trauma. Esse pré-aviso é da responsabilidade do CODU e deve ser feito para o chefe da ET, recorrendo aos números de telefone dedicados (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
  23. Nos SU, em sede da triagem de prioridades10, para a ativação da ET recomenda-se a utilização dos critérios no Anexo II (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação I).
  24. O Coordenador da ET deve reunir todas as condições logísticas e de recursos humanos assim que tenha conhecimento da referenciação da vítima de trauma, antecipando necessidades e iniciando a comunicação com a equipa.
  25. A avaliação inicial deve ser assegurada nos primeiros 20 minutos, após o contacto físico com a ET. Nesta avaliação diferentes monitorizações, intervenções e tarefas devem estar a decorrer ao mesmo tempo, tendo o coordenador da ET a responsabilidade de partilhar a informação e decidir prioridades de tratamento e investigação.
  26. Para toda a vítima de trauma, conforme a indicação clínica da situação específica, devem ser realizadas por rotina as atitudes adjuvantes da avaliação inicial (exames/procedimentos, a realizar na SE ou serviço de imagiologia), sempre que é ativada a ET (Anexo II e IV) (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação I).
  27. A avaliação secundária deve ser realizada após a estabilização inicial do paciente (avaliação inicial). É essencial a obtenção de uma história dirigida às circunstâncias do trauma, utilizando-se a mnemónica AMPLE48, perguntando sobre a presença de alergias (Allergies), uso de medicações (medications), antecedentes pessoais patológicos, cirurgias anteriores e imunização (past medical history), tempo desde a última refeição e tipo de alimentos ingeridos (Last meal), e eventos relacionados com o trauma como qual o mecanismo de lesão, avaliação e tratamento no local do acidente, tempo decorrido desde o acidente até a chegada do INEM (events preceding injury). O exame físico deve ser completo (head to toe), incluindo áreas facilmente esquecidas como são exemplo o couro cabeludo, pescoço, dorso e períneo.
  28. Em sede de SUMC, SUP e CT, a avaliação secundária deve ser assegurada em 60 minutos, nos termo Circular Normativa n.º 07/DQS/DQCO de 31 de março de 2010 (Anexo V) (Nível de Evidência C, Grau de Recomendação I).
  29. É nesta fase da avaliação da vítima de trauma major que se deve decidir sobre a realização de novos/outros meios complementares de diagnóstico a discutir caso a caso, bem como sobre cirurgia em segundo tempo, sobre o nível de observação / vigilância necessários, sobre o Internamento em Unidade de Cuidados Intensivos, Intermédios ou Enfermaria. Por vezes pode ser necessária uma avaliação da necessidade de transferência da vítima de trauma para um nível superior da rede de urgências.
  30. A decisão de referenciação para um CT deve assentar nos seguintes princípios:
    1. Na referenciação primária pré-hospitalar:
      1. A decisão de referenciação primária para SUP/CT (fazendo bypass ao SUMC mais próximo) depende da conjugação dos fatores de gravidade (triagem da vítima de trauma) e tempo (distância entre locais de atendimento). Outros fatores a ter em conta são o estado de sobrecarga dos hospitais recebedores e os meios de transporte disponíveis, conforme consta do Fluxograma.
      2. Referenciação direta do local do acidente para o CT sempre que esteja a menos de 30 min de distância do local do acidente e coexista um trauma major definido por:
        1. instabilidade de sinais vitais, ou;
        2. indícios de uma lesão anatómica de gravidade como nos seguintes casos: trauma penetrante, retalho costal móvel, duas ou mais fraturas de ossos longos proximais, amputação proximal de membros, fraturas de bacia instáveis, fraturas de crânio com afundamento ou abertas, traumatismo vertebro-medular com défice neurológico.
      3. Quando a vítima de trauma major estiver a mais de 30 minutos do CT, apesar de gravidade confirmada ou suspeita, esta deve ser estabilizada pela equipa de VMER e/ou SUMC ou SUP, de modo a conseguir condições seguras de transporte para o CT, se depois de avaliação e estabilização ainda se justificar.
    2. A referenciação secundária para o CT a partir de um SUMC ou SUP deve ser efetuada sempre que haja uma das seguintes situações (tendo em atenção a triagem efetuada pelos profissionais de saúde qualificados e a realidade local de valências disponíveis):
      1. Trauma major com necessidade temporária de tratamento em SUMC ou SUP para estabilização mas que necessite de consultoria de especialidades, realização de MCDT ou terapêuticas disponíveis apenas no CT;
      2. Trauma em que, durante qualquer momento da avaliação inicial e transporte, se verificou ser trauma major por agravamento do estado clínico ou por inadequada triagem prévia;
  31. A vítima de trauma que em qualquer nível de atendimento implica a ativação da ET é por definição trauma major entrando na VVT, correspondendo ao doente que previsivelmente necessitará (logo que possível) de apoio nível cuidados intensivos/ ISS>15 (igual ou superior a 16) (Anexo VI).
  32. O transporte secundário para nível assistencial superior é coordenado em sintonia e em colaboração com o CODU. Conforme determinação do CODU, o transporte secundário pode ser assegurado pelos meios do INEM, sem prejuízo das responsabilidades das instituições enquadradas na Rede Hospitalar nesta matéria.
  33. A instituição que transfere a vítima de trauma deve organizar o transporte secundário, assegurando o respeito pela norma instituída no Guia do Transporte do Doente Crítico da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, nomeadamente:
    1. As condições de segurança durante todo o transporte;
    2. O nível adequado de cuidados clínicos no transporte;
    3. A garantia dos meios necessários e o cumprimento dos tempos máximos recomendados.
  34. Deve estar assegurada a articulação com a imagiologia e valências médico-cirúrgicas, de modo a evitar repetições de exames e transportes, de todos os MCDT constantes do ponto anterior (valorizando-se a interoperabilidade entre sistemas informáticos e a telemedicina). Deve ser promovido o crescente desenvolvimento da telemedicina e consultoria à distância por este meio.
  35. A reavaliação da vítima, de forma periódica e sempre que há alguma modificação no seu estado clínico, deve ser feita utilizando a mesma metodologia ABCDE. No final desta abordagem o Coordenador da ET deve ser capaz de definir prioridades de diagnóstico e tratamento destas vítimas de trauma.
  36. Preferencialmente, a vítima de trauma deve ser internada em enfermaria hospitalar / unidade dedicada ao trauma.
  37. As vitimas e/ou o representante legal devem ser informados sobre a situação clínica e esclarecidos sobre as suas dúvidas, incluindo os benefícios e efeitos secundários da abordagem diagnostica e terapêutica.
  38. Deve constar do processo clínico a decisão fundamentada da eventual impossibilidade da aplicação da presente Norma.
  39. O conteúdo da presente Norma será atualizado sempre que a evidência científica assim o justifique.
fluxograma da norma
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